Ronaldo Caiado x Immortan Joe (Mad Max/Estrada da Fúria)

 

Por Silvana Marta


Essa é uma história verídica, baseada em fatos reais.


A seca que assola a terra é tão cruel como aquele que dela se beneficia

Crise hídrica é como tem sido chamada a falta de água para abastecimento humano em grandes cidades brasileiras. Embora essas cidades situem-se em regiões de altos índices de pluviosidade anual, elas foram atingidas por secas extremas, onde as mudanças climáticas colapsaram seus reservatórios de abastecimento hídrico e seus moradores foram submetidos a estratégias de racionamento de água. 

As causas dessas crises não se resumem à falta irregular de chuvas, mas são o resultado de um somatório de fatores, que incluem as anomalias meteorológicas, mas envolvem, também, falta de infraestrutura de abastecimento capaz de acompanhar o aumento da demanda; educação para um consumo racional de água; redução de desperdícios; uso de fontes alternativas aos reservatórios e controle de problemas ambientais, especialmente o desmatamento e a poluição.

Como todos bem sabemos, o desmatamento é encabeçado no Brasil principalmente pelo agronegócio, onde os fazendeiros e detentores de grandes monopólios agrários buscam aumentar sua zona de produção agrícola e pecuária a qualquer preço, promovendo o desmatamento reiterado às áreas de proteção. Dentre os ruralistas, destaca-se a liderança de Ronaldo Caiado, que aliás é um dos fundadores da União Democrática Ruralista (UDR).

O problema do monopólio de terras no Brasil é estrutural. Vem desde quando Portugal distribuiu aos amigos do rei terras através das ‘sesmarias’, das quais a família Caiado foi beneficiária.

Na Saga Mad Max, a falta de água é abordada de uma maneira complexa, em um cenário onde a disputa pelo controle da água gera confrontos imersos em uma estética sadomasoquista e violência extremada como um processo de purgação. Temos ainda retratado o choque brutal de classes sociais e um colapso ambiental, onde ninguém é capaz de colaborar com o fim da tragédia iminente, qual seja a escassez de água.

A questão central em “Estrada da Fúria” é saber ‘quem quebrou o mundo’. A resposta é fácil: os donos do poder e aqueles que os seguem cegamente - ninguém age com zelo ou preocupação com o coletivo, preocupados unicamente com o próprio umbigo, e interessados em bajular e obedecer o seu líder: o messias louco Immortan Joe.

Coincidentemente, a purgação pelo castigo é a máxima em Goiás, quando a penitência de economizar água faz-se necessária por um bem maior: o coletivo. Marca na saga pela busca de água em Estrada da Fúria uma cidadela tiranizada por Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), onde a sociedade desajustada, deformada e carente precisa de justiceiros messiânicos na busca de uma harmonia possível no caos.


Immortan Joe em ‘Mad Max’ abrindo as comportas da cidadela onde ele é o tirano


No filme, Immortan Joe vende-se como o messias que promete a libertação, pois controla o uso da água, e por isso, tem o controle do povo. A água é usada como forma de controle da população, e assim Immortan Joe detém o poder, atuando apenas para perpetuar-se.

Em 2021 (22/9), o governador Ronaldo Caiado (DEM), abriu pessoalmente a comporta de um dos oito reservatórios privados, pertencente a uma propriedade rural, para aumentar a vazão do Rio Meia Ponte, principal fornecedor de água para a região metropolitana.

Caiado relatou uma preocupação diária com a situação e disse que todo dia cedo verifica a vazão do rio para saber se é possível, em suas palavras, "passar mais um dia".  

São barragens que interferem diretamente no volume de água do Rio Meia Ponte, instaladas em propriedades rurais privadas que fizeram parcerias com governo do estado (de ruralista para um governo ruralista), tal qual Immortan Joe fez no filme da saga Mad Max. Nos faz questionar se tais barragens na verdade não estariam 'roubando' água do povo, do rio, que é um bem público, para abastecer propriedades privadas, em prejuízo do interesse público. A cena Caiado abrindo as comportas tem um caráter de penitência, onde o tirano segue sua jornada de reconstrução da civilidade e redenção.


Ronaldo Caiado na cerimônia de abertura de comporta do Meia Ponte na Fazenda Amaralina, zona rural da capital goiana


De acordo com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o objetivo da abertura da comporta da barragem foi reequilibrar a vazão de água do Rio Meia Ponte. Como a região enfrentava estiagem severa, houve queda no volume disponível para o abastecimento. 

O ato de Caiado, ao abrir as comportas, remete ao filme ‘Mad Max - Estrada da Fúria’, quando Immortan Joe abre as comportas da cidadela como um messias que beneficiava o povo. No fundo, seu ato nada mais era do que uma forma de tirania para perpetuar-se no poder.

Cena pra lá de bizarra.

O governador Ronaldo Caiado nada mais faz do tornar real o que a ficção havia premeditado.

Lamentável que o governo de Goiás use de uma tragédia, qual seja a falta de água concorrente com a má gestão dos recursos hídricos, para se promover.

Menos pompa governador, e mais trabalho.


        * Silvana Marta é advogada, jornalista, escritora e poetisa.

Confira também no aplicativo Wattpad as histórias de @Bellaey sobre a saga de uma jornalista que tem que aprender a lidar com a fama repentina e o interesse dos políticos e poderosos pela sua escrita.

        Até lá!


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